Um contrato dela surgiu….

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O Contrato

cena5Então, foram aqueles garotos conversar comigo. Duran­te o encontro eu disse a eles o quanto é importante frequentar a escola.
– O que vocês ganham na rua vai lhes dar um futuro bom?
– Pensem sobre isto…
– Vou fazer uma proposta a vocês. Sabem o que é um contrato?
– Um contrato é feito quando alguém dá algu­ma coisa para o outro e, o outro dá outra coisa em pagamento ou em troca.
– Vocês querem fazer um contrato comigo? Dou uma cesta básica mensalmente para cada um em troca vocês saem da rua, vão à esco­la e apresentam todo mês o boletim com nota e a frequência, dou ainda mais a cesta escola no início e no meio do ano. Aquele que voltar para a rua ou não frequentar a escola sai do acordo. OK? Todos concordaram.

– Ah, tem um negócio, este contrato é sigiloso. Vocês prometem não contarem para os outros meninos, senão vai formar filas na porta do es­critório e não vou conseguir trabalhar mais, e sendo assim babau nosso acordo, sem cesta bá­sica e sem cesta escola, pois não vou ter mais dinheiro para comprar.

Assim, meus novos amigos saíram felizes da vida do escritório.Eram meus filhotes do coração que esta­vam nascendo.

É óbvio que as coisas não foram fáceis. A avó de um exigia que o menino continuasse na rua, a mãe do outro também ficava na rua e fazia os filhos ajuda­rem, e, assim por diante.

Certa vez, o nosso office-boy que saia muito para o escritório, e, conhecia bem eles, certo dia voltou do trabalho e disse: “Dra. Lúcia o Leandro estava na esquina da Biblioteca Pública esmolando.

No dia seguinte chamei o Leandro e disse:

– Se você vai ficar na rua acabou nosso acordo.

Ele respondeu:

– Não estava, não.

– Estava na hora tal na rua tal, falei a ele, que assustado perguntou:

– Tem gente me seguindo?.

Foi uma situação hilária.

Assim, fomos estabelecendo laços fortes entre todos. O Valdinei chamado carinhosamente entre eles de “Neguinho”, para o Valdinei comecei a emprestar livros fáceis para ler.

Neste período realmente tive contato com a realida­de brasileira em educação. Os meninos estavam já terminando o primeiro grau e NÃO SABIAM LER. O Valdinei dizia:

– Sabe que fico um mês para ler uma página.

Surgiram também algumas pessoas que contribuíram, o barbeiro da João Gualberto, que deixava pela meta­de o corte de cabelo e eu pagava assim só a metade.

Um fato curioso é que uma na época, a amiga Sil­vane Marchesini ajudava o Elias, mas não sabia que era eu a pessoa que contribuía com o Contrato, nem tampouco eu sabia que a psicóloga amiga do meu menino era ela, até que um dia, fomos reveladas pelo próprio Elias. Então começamos a trocar figu­rinhas nesta luta.

Começaram a aparecer novas demandas, tipo o gás que faltava na casa de um, a receita médica de ou­tro, e, como não dávamos dinheiro diretamente para eles, comprávamos os remédios, pagando também as contas de luz e gás que apareciam.

Certa feita, eles se diziam bons de bola e eu conse­gui que o Malutron os aceitasse na Escolinha deles. Lá foram eles de uniformes e chuteiras, mas não sei se não estavam ainda preparados para a disciplina exigida ou porque eram ruins de bola, enfim foram largando a escolinha.

A minha Secretária Elair foi e, ainda é a maior co­laboradora do projeto, verificando os boletins de frequência na escola, conversando com as coorde­nadoras e diretoras quando eu não estava disponível, marcando reuniões quando havia um problema mais sério para ser resolvido com cada um deles.

Lupa

  1. Definir o número de participantes e solicitar sigilo no trabalho.
  2. Você não é uma instituição de assistência social. É importante estabelecer os seus limites.
  3. Não falhar na entrega das cestas básicas ou benefícios acordados.
  4. Fazer o controle mensal da frequência escolar e notas.

 

 

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About Author

Mari Weigert é jornalista com especialização em História da Arte pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Atuou na área de cultura como jornalista oficial do Governo do Paraná. Durante um ano participou das aulas de crítica de arte de Maria Letizia Proietti e Orieta Rossi, na Sapienza Università, em Roma. Acredita nas palavras bem ditas ou 'benditas', ou seja, bem escritas, que educam, que seduzem pelos significados, pela emoção ao informar sobre a arte da vida que se manifesta nas relações afetivas, na criação artística, nos lugares, na natureza e na energia do Universo.

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